Dia: 10 de abril de 2025

  • Yalodê de Amanda Batista é memória que rasga o silêncio

    Yalodê de Amanda Batista é memória que rasga o silêncio

    Yalodê não é apenas um filme, é uma afronta poética, um gesto político que rasga o véu da invisibilidade com a lâmina afiada da memória ancestral, e não poderia ser diferente, dirigido por Amanda Batista, o documentário se recusa a adotar o olhar do colonizador e escolhe, com firmeza e sensibilidade, narrar a história de Luís Eduardo Magalhães, que já foi Mimoso do Oeste, a partir da força de três mulheres negras que sustentaram e sustentam, com seus corpos e memórias, um tempo que teima em ser apagado.

    Amanda nos conduz por um percurso íntimo que parte do seu próprio estranhamento, quando aos 16 anos resolveu fazer teatro, ali, diante de uma pergunta aparentemente simples, começou a entender que havia algo profundamente errado no modo como essa cidade se reconhece e se conta.

    “…estávamos ensaiando para o ‘Nós fazemos arte’ e tinha uma música que tinha a zabumba tocando, e Marlon falava pra eu seguir o tempo da zabumba e eu estava seguindo outro instrumento e eu perguntei, o que é zabumba? que som é esse? ai Shaolin falou, ‘você sabe o que é bombacha Amanda?’ e foi perguntando outras coisas referentes a cultura gaúcha e eu fui respondendo, na época eu estava frequentando o CTG ainda, ai ele só fez essas perguntas e calou a boca depois do interrogatório e foi aí, ele jogou o silêncio e eu fiquei com aquilo na cabeça.  Era muita imersão ali no CEPAC, Foi muita comunicação aquele inicio pra mim na CEPAC, as referências que eu não tinha, informação, livros, nomes do teatro negro e eu lendo tudo e com as referências de Salvador que Marlon trazia por ser formado na UFBA que era também um sonho meu, e não tinha mais sentido continuar no CTG.”

    Essa sensação de deslocamento simbólico não é só geográfico. É sobre quais saberes foram validados e quais foram sistematicamente silenciados, mesmo dentro da própria Bahia.

    O filme faz denúncia sem denunciar, é despretensioso, porém revolucionário. Amanda teve a rara sagacidade de fazer tudo com delicadeza, como quem planta sementes em solo argiloso e essas sementes germinam, inevitavelmente, porque Yalodê é também um documento, um registro histórico e por que não uma ferramenta de educação? Não no sentido clássico de ensino, mas de formação crítica e sensível.

    Há uma diferença fundamental entre ensinar e educar, ensinar, muitas vezes, se assemelha a um processo de colonização: transfere-se um conteúdo, um molde, uma visão única, como se só houvesse uma verdade possível, e quase sempre essa verdade pertence a quem detém o poder. Ensinar, nesse modelo, é dizer o que é, sem permitir que o outro diga o que sente, o que lembra, o que viveu.

    Yalodê educa. Porque rompe com essa estrutura verticalizada, o filme convoca, provoca e emociona, abrindo espaço para a escuta e para o pertencimento. Em nenhum momento o filme impõe uma história, ele resgata memórias, e assim, desestabiliza o modelo tradicional de ensino da história, que é unilateral, autoritário e profundamente excludente.

    Quando sempre quem tem o poder é quem conta as histórias, a história vira instrumento de dominação, mas quando nos levantamos, quando narramos nossas vivências, quando ocupamos o espaço simbólico da palavra, tomamos de volta o poder. E isso é mais que transformador, é perigoso e assustador para quem sempre lucrou com o silêncio.

    Ao reunir vozes como a de Dona Geru, Maria Firmina e de Maria Aparecida, Amanda Batista não apenas constroi uma narrativa, ela começa uma revolução, e faz isso como a força das águas calmas que um dia transbordam.

    Se você ainda não assistiu o filme, esse é o momento: https://www.youtube.com/watch?v=LlmHmL_VzzE